4 pontos negativos do PL 4/2025 que podem afetar as empresas

 

02.07.2025

 

Proposta que prevê alterações no Código Civil pode 'matar' a responsabilidade civil como é conhecida hoje, transformando-a em um instrumento de 'punitivismo corporativo', conforme alertou o advogado Guilherme Nitschke em reunião na ACSP.

O Projeto de Lei nº 4/2025, do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que pretende atualizar a responsabilidade civil no Código Civil brasileiro com alterações em 897 dos mais de 2 mil artigos da lei, tem provocado intensos debates jurídicos e críticas contundentes de especialistas que dizem que, caso seja aprovado, resultará na "morte" dos pilares fundamentais do Direito Civil.

Essa é a avaliação do advogado Guilherme Carneiro Monteiro Nitschke, doutor em Direito Civil pela USP, apresentada em reunião do Conselho de Orientação e Serviços da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) realizada na sexta-feira (27). Ele também é vice-presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem, membro da Comissão Especial de Estudos sobre o Projeto de Código Civil do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), e sócio do Tozzini Freire Advogados.

Entitulada "Um réquiem para a responsabilidade civil: o PL nº 4/2025", a palestra de Nitschke, cujo nome faz referência à prece litúrgica para os mortos, procurou demonstrar que, se o projeto for aprovado como está, ameaça "matar" a responsabilidade civil como é hoje, gerando insegurança jurídica, judicialização excessiva e impactos severos para empresas.

Entre tantos artigos listados no Código, o advogado destaca quatro como os principais pontos negativos do PL 4/2025, ou as "quatro mortes" que ele impõe à responsabilidade civil atual: a do risco, a do nexo de causalidade, a da reparação integral e a da autonomia privada.

"Morta essa responsabilidade civil, o que vem em seu lugar? O que sai ali com o PL? O que nós teremos é um instrumento do punitivismo. Mas não um instrumento de um punitivismo qualquer: é um punitivismo que se volta prioritariamente contra as empresas", alertou.

A seguir, confira os quatro pontos citados pelo especialista, os impactos na atividade empresarial e as soluções para evitar um possível colapso da responsabilidade civil no país:

1 - 'Morte' do risco

O PL 4/2025 altera radicalmente a definição de atividade de risco ao introduzir o conceito genérico e subjetivo de “risco especial e diferenciado”. Isso significa que qualquer atividade empresarial pode, em caso concreto, ser considerada perigosa e sujeita à responsabilização objetiva (ou seja, sem necessidade de provar culpa).

"Os indicadores para definir esse risco especial e diferenciado são inexatos e não jurídicos como estatística, prova técnica e máximas de experiência, introduzindo um alto grau de casuísmo (ou seja, baseado em casos, e não em princípios fortemente pré-estabelecidos) e vieses judiciais", destacou Nitschke. Em resumo, empresas de qualquer porte podem ser responsabilizadas objetivamente por danos fora do seu controle direto, desestimulando investimentos e a inovação e causando insegurança jurídica. "Se tudo é risco, nada é risco", reforçou.

Como solução, o especialista sugeriu retomar o critério tradicional da atividade “normalmente desenvolvida” como risco, conforme o artigo 927, parágrafo único e vigente, pois isso "assegura previsibilidade e coerência com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF)", onde o "risco especial" é delimitado a acidentes de trabalho e o ônus para o trabalhador é maior que para os demais membros da coletividade (Tema de Repercussão Geral 932)."

2 - 'Morte' do nexo de causalidade

Hoje, o Direito brasileiro adota a teoria do "dano direto e imediato", indenizando apenas prejuízos efetivos e lucros cessantes que sejam efeito direto e imediato do ato ilícito (Artigo 413 do Código Civil). O que pode ser indenizado por danos indiretos é excepcional e previsto em lei, como o dano-morte ou despesas com convalescença.

Já o artigo 944-B do PL 4/2025 autoriza amplamente a indenização por "danos indiretos", ou seja, ele transforma a exceção em regra geral. "Dano indireto não é sinônimo de 'perda de uma chance', conforme exposto no PL", afirmou Nitschke. Esse ponto também adota a variante da "teoria da equivalência das condições", na qual toda e qualquer condição pode ser causa para a geração dos danos, mesmo condições que apenas o condicionaram, mas não o causaram.

Ele exemplifica esse impacto com as sociedades anônimas, onde acionistas poderiam pleitear indenizações individuais por danos indiretos, causando "teoria do caos" nas contas societárias: se um acionista controlador ou um administrador praticar ato ilícito que prejudica a companhia, e que gera, em consequência, diminuição da participação de um determinado acionista, ele acaba sofrendo dano indireto, pois a indenização que ganharem é direcionada para eles e também para a companhia, caso ela não proponha a ação.

"É uma alteração prematura por falta de maturidade jurídica e consenso na doutrina sobre o que é dano indireto", disse, sugerindo manter a exigência do nexo direto e imediato prevista no artigo 403 do Código Civil para impedir a banalização da responsabilização solidária em cadeia.

3 - 'Morte' da reparação integral

Este princípio, previsto no Artigo 944 do Código Civil, estabelece que a indenização deve-se pela extensão do dano: "nada mais que o dano, nada menos que o dano". O PL 4/2025 'mata' esse princípio, segundo Nitschke, pois prevê sanções pecuniárias em caráter 'pedagógico', punitivas, que quadruplicam o valor do dano, e preventivas, para danos extrapatrimoniais, deslocando o foco da reparação para a punição. Inclusive com base na "condição econômica do ofensor."

"Esse ponto mal disfarça na expressão a intenção de penalizar quem tem mais dinheiro", disse, reforçando que o critério da condição econômica do ofensor para fixar pena mais alta visa que "empresas paguem indenização sem rir." O ideal é restringir a indenização a casos extremamente excepcionais. "A responsabilidade civil deixa de ser orientada pela reparação, qualificando o dano moral como um 'passaporte' para o juiz ajustar soluções conforme sua conveniência."

4 - 'Morte' da autonomia privada

Atualmente, é possível inserir cláusulas de não-indenização ou de limitação do valor indenizatório em contratos livremente negociados, para limitar danos patrimoniais e extrapatrimoniais, desde que não sejam em contratos de adesão (Artigo 424 do Código Civil). Mas o art. 946-A do PL 4 permitirá cláusulas de limitação ou exclusão de indenização apenas para "contratos paritários e simétricos", porém exclusivamente para "danos patrimoniais".

"Os conceitos de contratos paritários e simétricos são novos, enigmáticos, categorias importadas da doutrina estrangeira, e carecem de consenso e maturidade no direito brasileiro, criam insegurança jurídica", afirmou o advogado. Além disso, restringir a possibilidade de negociação de cláusulas de limitação de responsabilidade, e a limitação de cláusulas de exclusão/limitação apenas a danos patrimoniais, significa que extrapatrimoniais ficam fora do escopo de negociação, "impactando previsibilidade e a gestão de riscos pelas empresas."

Para evitar o réquiem

Diante dessas preocupações, a medida ideal proposta por Guilherme Nitschke para que o PL não cause o "réquiem" da responsabilidade civil é o arquivamento do projeto de lei. Ele afirma que as críticas ao PL 4/2025, que geraram ampla repercussão na imprensa e no meio jurídico, não têm a ver com a equipe que o elaborou, mas sim com os pontos específicos do texto final.

Afinal, um PL com quase mil dispositivos e tantas deficiências não pode ser melhorado como se deve por uma simples tramitação no Congresso Nacional. "Os problemas mais graves permanecerão", sinalizou o advogado, que citou três saídas que podem ser adotadas se o PL não cair.

Uma é a conversão para Projeto de Código, em vez de Projeto de Lei, sendo convertido ao que realmente é: um PC, não um PL. A importância da medida é que um projeto de código tem um regime especial, exigindo submissão ao plenário do Congresso e sem poder ter regime de urgência - o que forçaria um debate mais aprofundado e demorado, destacou o advogado.

A segunda é a desaceleração do trâmite: o anteprojeto foi elaborado em apenas 180 dias, e a maioria das audiências públicas realizada sem o texto do PL, impedindo debate aprofundado sobre suas disposições para permitir uma discussão madura e qualificada, afirmou.

Citando a reforma do Código Civil da França, concluída após 20 anos de debates, Nischke sugeriu o 'fatiamento' do PL em partes menores e menos polêmicas, permitindo que cada segmento seja discutido e amadurecido separadamente: isso produziria mais qualidade e segurança jurídica, deixando temas mais importantes e polêmicos, como responsabilidade civil, contratos e direito de família, para um momento de maior amadurecimento.

"Do contrário, como escreveu o poeta Manuel Bandeira, a única coisa a fazer é 'tocar um tango argentino'. Ou dizer à segurança jurídica, ao som do réquiem do PL, que descanse em paz", concluiu Nitschke. Até o momento, o PL 4/2025 permanece “aguardando despacho” do presidente do Senado sobre os procedimentos a seguir, e quais comissões devem analisá-lo.

Fonte: Diário do Comércio.

 

03.07.2025
Serão realizados tanto julgamentos virtuais quanto presenciais na segunda quinzena.

Com a suspensão d... leia mais

 

03.07.2025
Diante da plausibilidade do direito e do risco de dano irreparável pela demora do processo, é admissíve... leia mais

 

03.07.2025
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) ingressou, nesta terça-feira, c... leia mais

 

02.07.2025
Contribuintes iniciam testes com uso de documentos fiscais, calculadora e verificação de dados cadastrai... leia mais

 

02.07.2025
O ministro do Superior Tribunal de Justiça Joel Ilan Paciornik considerou inválidos os relatórios do Co... leia mais

 

02.07.2025
Proposta que prevê alterações no Código Civil pode 'matar' a responsabilidade civil como é conhecida ... leia mais

 

01.07.2025
A base de cálculo do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é o valor do imóvel transmitido... leia mais

 

01.07.2025
Governo decide marcar posição contra derrubada do decreto pelo Congresso.

A ação do governo para ma... leia mais

 

01.07.2025
Secretário da Fazenda participou de debate com advogados tributaristas nesta sexta-feira (27/6) em São P... leia mais

 
 
 

OAB/SP nº 14.076.

Avenida Paulista nº 1.636 - 7º andar - sala 706.
Bairro Cerqueira César - Município de São Paulo/SP
CEP: 01310-200